domingo, 4 de novembro de 2007

II- Segundo Tipo de Culpa: Relacionada Com o Princípio Direcionador

Por outro lado, existe ainda o segundo tipo de culpa, que acontece em nós porque temos um princípio direcionador em nossas consciências. Este princípio, que foi chamado por Freud de Super Ego, pode errar, inclusive, ou ser enganado por nós mesmos. Somos falhos como seres humanos e nem sempre o que pensamos ser culpa real é mesmo. E às vezes tentamos racionalizar e nos convencer que uma culpa real não o é. Isto acontece porque temos necessidades que se manifestam em desejos os mais diferentes e o ego tenta resolver o problema, como uma mãe que tenta fazer a criança parar de chorar e serviria fazer uso de qualquer coisa se não fosse o sentido de direcionamento. Não pode dar a mamadeira velha, pode fazer mal ao chorãozinho impaciente. Mas, se num impulso de raiva a mamadeira velha é dada, logo em seguida vem o sentimento de culpa. Na verdade este sentimento é natural em nós, desta forma, e é como uma luz vermelha de um alarme que começa a piscar, às vezes, tão longe que quase não notamos, ou somente nosso inconsciente pontua, e muitas vezes tão perto e em alto grau que quase nos mata de temor.

O problema maior com a culpa é não ser enfrentada e resolvida. Aquela que foi abafada lá no nosso interior mais oculto pode assim mesmo continuar a piscar teimosamente. Nossa dinâmica interna poderá tentar resolver de forma instintual, desabafando o problema em uma ação, por exemplo, digamos, lavar as mãos toda vez que um brilhozinho da luz apareça lá no fundo. Depois de algum tempo estaremos lavando as mãos compulsoriamente, sem motivo aparente, e seremos diagnosticados como portadores de um transtorno obsessivo compulsivo. Houve uma compensação e transferência. É melhor enfrentar. A psicoterapia irá guiar o paciente a descobrir estas luzes de forma consciente e enfrentar seus monstros!

Outra forma de não enfrentar uma culpa bem consciente é racionalizar tanto que chegamos num momento que provamos para nós mesmos que H2O é pedra. Então, depois de anos descobrimos que bebemos brita. Também não dá. É melhor enfrentar.

Quando resolvemos enfrentar a coisa se complica um pouco para descomplicar tudo depois. Ossos do ofício, fazer a ferida doer mais para sarar. Vamos analisar os fatos à luz do sentido de direcionamento moral que nos foi dado na educação que tivemos; mas, e uma pessoa criada entre metralhadoras e pacotinhos de maconha? Temos de rever até o tal do sentido de direcionamento. Para isto precisamos de uma base onde projetar o Super Ego para ver se está dando mancada ou não. Para o cristão eu diria que os ensinos puros de Jesus, não a teologia em si depois e os dogmas feitos pelos homens no passar dos séculos, contém a base para tudo. Vamos então colocar o próprio Super Ego em teste, numa espécie de ajuste, calibrando seus parâmetros. Depois analisemos o que nos é cobrado demais pelos outros, fazendo o desconto; e o que é cobrado demais ou de menos por nós mesmos, fazendo também os descontos. Agora, com uma imagem mais nítida do que é o correto, enfrentemos o tribunal de nossa consciência: errei ou não? Tá bom, errei, pronto. Mas, qual a extensão de meu erro? Qual a intenção que eu possuía na época? Quais os agravantes e atenuantes?

Muito bem, perdôo a mim mesmo por agir fora do alvo. Agora que corrigi o alvo fica mais fácil, pois, quem sabe, eu estava errado até no alvo?

Também terei de enfrentar o outro que foi prejudicado e sabe disto. Se não sabe, não precisa saber de nada, confesso somente a Deus e pronto. Se sabe, precisa ter corrigida sua imagem sobre mim através de minha confissão: errei nisto com você mas não penso mais assim ou não ajo mais assim. Não importa nadica de nada se o outro perdoa a você ou não, você estará em paz consigo mesmo. Não importa também o que o tribunal juridicamente, se for o caso, resolver, perante as leis do país, se for algo criminoso. Por exemplo: Você bebeu muito e atropelou uma pessoa. Depois de se arrepender de fato, de perdoar a si mesmo, de corrigir o rumo de sua vida na intenção de não beber mais antes de dirigir e até depois de procurar a família e dizer que sente muito, assim já estando em paz consigo mesmo, se assim mesmo a família inicia um processo, então enfrente tudo com a consciência tranqüila de que já não tem a culpa moral e espiritual, apesar de ter a culpa legal, ou para a justiça.

Acredito que algumas pessoas poderão estar condenadas a poucos ou muitos anos de prisão, e acabaram por se interessarem em ler este livrinho: o fato de termos boa consciência e nos sentirmos perdoados e em paz conosco mesmos não garante nossa liberdade física, somente a liberdade do espírito. Pode crer, esta última é mais importante, é a que nos faz viver de verdade.

Muitas conseqüências, além do aprisionamento, podem cair sobre a pessoa: divórcio, filho ausente, perda de emprego ou função numa empresa, salário menor, não formar-se ou não conseguir autorização de um conselho regional para exercermos qualquer profissão, por exemplo. Tudo isto são forças contra as quais não podemos lutar, assim como não podemos dizer a um câncer que vá embora, a um infarto que volte atrás. Mas podemos ter a paz de olhar em frente, seguir nossos alvos assim mesmo, olhar o horizonte, ver o caminho traçado por nosso caráter e seguir em frente, sempre em frente, vivendo o máximo que podemos em todas as épocas de nossa vida.

Alguém poderia perguntar como fica o que não crê em Deus. Do ponto de vista da psicanálise esta pessoa deveria sentir-se satisfeita em perdoar a si mesma e ter o perdão da sociedade ou do próximo, quando for o caso, isto é, se for do conhecimento de terceiros. Já o teólogo cristão, tomando uma media do pensamento teológico mais equilibradamente, diria que tal pessoa poderá sentir-se bem consigo mesma e a sociedade quanto aos atos errados praticados e devidamente resolvidos como anteriormente escrevi, mas que teria um sentimento de vazio, não a respeito dos atos externos praticados e sim quanto a sua própria natureza que sentirá paz interna somente quando o perdão geral à humanidade, adquirido na cruz, for aceito por tal individuo e aplicado a si.

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