domingo, 4 de novembro de 2007

I- Primeiro Tipo de Culpa: O Olhar do (abelhudo) Outro

Um dos motivos de surgir em nós sentimentos de culpa é a denúncia ou calúnia que atinja nossa reputação. Coisa triste é o olhar do outro quando vem cheio de crítica, de vingança, de busca de erros. Alguém já disse que quando um dedo está apontando para o próximo, existe outro (polegar) apontando para Deus, o verdadeiro juiz, e mais três apontando para nós mesmos. Sabemos que o princípio religioso e ético deixado por Cristo é importante e essencial: “não julgueis para não serdes julgados.” Do ponto de vista da ética, não existem meios de viver neste mundo sem julgar o outro, mas este julgamento ético de que falamos é aquele instinto natural de comparar o que o outro faz com o que eu faria ou com o que a maior parte das pessoas fariam. Por exemplo, se vejo alguém andando desnudo em plena avenida logo penso que não faria isto e de certa forma estou buscando dentro de mim mesmo os parâmetros para ver se é certo ou errado. Mas, quando Jesus falou que não deveríamos julgar uns aos outros, creio que estava dizendo que não deveríamos externalizar nosso conceito pessoal – o qual existe para mim mesmo- em palavras condenatórias contra o próximo. Durante quase cinco anos lecionando Ética em uma faculdade, no Recife, sempre gostava de repetir aos alunos cristãos: “Lembrem-se, quem acusa é o diabo (diabalos, acusador) e quem julga (condena) é Deus!”

Escravos do olhar dos outros

Temer demasiadamente o olhar do outro já é um passo a um estado doentio da personalidade, pois vamos tolhendo nossa maneira de agir, nosso dia-a-dia; quando adolescentes deixamo-nos levar até mesmo a carreiras profissionais, isto é, tomamos rumos na vida por causa dos outros, com medo do que vão falar ou pensar de nós. Isto é escravidão. Quantas pessoas deixam de fazer tantas coisas que sabem ser lícitas porque têm medo do olhar dos outros? O maior exemplo na história de alguém que era liberto totalmente do olhar do outro estava em Jesus: o que precisava fazer fazia sem se importar com os que tomavam para si mesmos o escândalo que na verdade não existia na pessoa de Jesus. Tanto faz se estivesse com os nobres, ou bebendo um bom vinho junto a um pecador, ou deixando aproximar de si uma prostituta chorosa. Fazia sua obra sem temer o que iriam pensar as más mentes. Mas, porque conseguia fazer isto? Porque se baseava na convicção de seu caráter e não na possível transformação de sua reputação.

A reputação é o que os outros pensam de nós, mas o caráter o que somos e é através do caráter que vamos prestar espiritualmente contas do que precisar prestar e a quem de direito.

Estes seres nojentos que vigiam nossa reputação não podem ver a intenção que existe em nós; e a culpa, quando for necessário lidar com ela, quando realmente existe, está na dimensão de nossa intenção interna, pois se a reputação fala da falha que comentemos na qualidade de nosso viver, o caráter mostra para nós mesmos (porque quem nos conhece mais que nós mesmos é somente Deus) se de fato erramos ou não na intenção.

A libertação do olhar do outro.

Já será uma ação preventiva, pois, libertar-se do olhar do outro, pelo menos fazendo o seguinte:
Viva a vida com ternura; primeiro para com você mesmo, depois com o próximo.

Procure agir com convicção, se for preciso reconsidere sua vida e refaça seus princípios, mas aja com convicção, sem trair a si mesmo, tomando cuidado para não possuir uma intenção diferente do que acha correto.

Baseado em seu caráter, siga o melhor caminho, o que de maior prazer, desde que seja equilibrado com a responsabilidade pessoal e perante a sociedade.

Não se preocupe tanto com a reputação. Você não poderá amarrar a boca mentirosa dos outros, nem vendar seus olhos nojentos. Preocupe com seu caráter, o que você realmente é.

Saiba que agindo corretamente com a consciência, nem sempre terá a mesma oportunidade financeira, de poder e status como os politiqueiros hipócritas e hienas sórdidas da vida. Mas terá muito mais riqueza moral e espiritual, pois melhor é SER que TER.

Dentro do mapa do que é lícito para você mesmo, dentro de sua consciência, aproveite a vida e siga o caminho que desejar, buscando o que é mais nobre que for possível.

Quando se visualizar andando pela vida, veja a você mesmo olhando o alvo à frente e não olhando os que estão ao lado. Seja como o leão no zoológico que, mesmo tendo centenas de pessoas olhando para ele, não está nem aí, nunca perdeu sua majestade. E você pode ir mais avante ainda: mesmo tendo naturalmente que aceitar certas limitações que a vida nos impõe, tem seu espírito livre, você pertence a você mesmo.

Procure ter boa reputação, claro! Mas ande olhando o horizonte e o caminho traçado por seu caráter e sua intenção, que deve ser boa, obviamente. Não ande olhando a reputação que ficou lá atrás; olhar a reputação é olhar para trás, é retroceder, é ver as hienas se digladiando sobre a capa que já revestiu você ontem, mas não podem alcançar a que reveste você hoje. E mesmo que retirassem todas as capas, deixando-o nu não enxergam além de sua pele, isto é, não podem alcançar nem destruir o que você é de fato.

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